A medicina complementar e alternativa (MCA) é definida como um conjunto de sistemas, práticas e produtos de uso clínico, não considerado como prática médica convencional, de reconhecida eficácia pela comunidade científica.
São exemplos de MCA o uso de ervas medicinais, os suplementos vitamínicos, as dietas especiais, a medicina chinesa, a homeopatia, as técnicas de relaxamento terapêutico e outros. Independente da existência ou não de sua comprovação científica, um fato é inquestionável: o uso de MCA em pacientes com câncer é muito elevado em qualquer sociedade.
No Reino Unido, por exemplo, existem cerca de 50.000 profissionais que exercem alguma forma de MCA, sendo que cerca de cinco milhões de pessoas buscam anualmente este tipo de atendimento. Em 50% dos casos, a forma de MCA utilizada são as chamadas ervas medicinais.Cerca de 2/3 dos médicos não são informado sobre esta prática.
Nos EUA, estima-se que o mercado de MCA movimente cerca de 34 bilhões de dólares por ano, recursos estes gastos fora do sistema de saúde. Em uma série consecutiva de 100 pacientes adultos, portadores de neoplasias malignas, atendidos no Hospital Mario Kroeff, na cidade do Rio de Janeiro, durante o ano de 2008, 65% dos casos revelaram fazer uso de MCA concomitantemente ao tratamento convencional, sem o conhecimento da equipe médica. Ervas medicinais (40%) e suplementos vitamínicos (17%) foram os tipos de MCA mais utilizadas por esta população.
Em resumo, dados da literatura sugerem fortemente que o uso de MCA é freqüente e usualmente omitido pelos pacientes durante a entrevista médica e de enfermagem. Da mesma forma, a equipe médica não parece incluir este tipo de questionamento durante as entrevistas com o paciente. Considerando a falta de informações consistentes sobre a segurança, eficácia e potenciais interações das várias formas de MCA com o tratamento convencional, parece-nos que este tema merece maior atenção por parte da comunidade científica.
Os produtos de origem natural estão entre as formas mais comuns de MCA utilizadas por pacientes com câncer. Ainda que exista no credo popular a idéia de que os produtos oriundos da natureza sejam, em princípio, isentos de riscos de toxicidade, isto não representa a realidade. Muitas vezes, os organismos vivos produzem substâncias destinadas a sua defesa contra predadores naturais, as quais podem ser extremamente tóxicas. Há exemplos de intoxicações severas em seres humanos, com uso empírico de preparações a base de salicilatos e digitalis.
Portanto, é fundamental que os pacientes e a equipe médica não confundam o papel da natureza como fonte ou inspiração para a descoberta e o desenvolvimento de novos fármacos, com o seu uso in natura, sem uma adequada avaliação de sua segurança e eficácia. Existem vários exemplos de agentes anticâncer de sucesso na prática clínica, inicialmente identificados a partir de fontes naturais.
A comunidade médica deve ter claro que histórias de sucesso com medicamentos cuja inspiração partiu de uma substância de origem natural não nos dá a autoridade para estimularmos o uso empírico de substâncias naturais para o tratamento de doenças em seres humanos, sem a devida comprovação científica de sua segurança, eficácia e reprodutibilidade.
Este conceito tem recebido críticas de alguns profissionais sérios da área da farmacologia de produtos naturais, os quais argumentam que a atividade biológica destes agentes deriva justamente da combinação de seus componentes em seu estado natural. Entretanto, há somente uma forma de comprovar a eficácia destas substâncias: a realização de estudos que utilizem o método científico. Esta seria a nossa recomendação para aqueles profissionais que suspeitem da existência de algum valor terapêutico com alguma forma de MCA. Enquanto estas informações sobre a segurança, eficácia e potenciais interações com medicamentos de uso convencional não estiverem disponíveis, parece-nos inadequado que médicos dêem suporte ao uso empírico de MCA.
Isto não significa que nós, médicos, devamos menosprezar informações de quaisquer origens sobre efeitos terapêuticos de tratamentos considerados não-convencionais. Estas informações devem ser tratadas com seriedade e submetidas à uma avaliação científica criteriosa. Para tal, os testes em modelos experimentais e o desenho de estudos clínicos exploratórios devem ser a via a ser seguida. A sabedoria e o bom-senso sempre foram aliados da boa ciência. E isto permitiu que muitos medicamentos oriundos de fontes naturais fossem adequadamente desenvolvidos e hoje utilizados por milhões de pacientes no mundo.
É importante que as motivações que levam os pacientes ao uso de MCA sejam consideradas. Talvez, isto sugira a existência de necessidades importantes dos seres humanos, as quais não estejam contempladas suficientemente pela nossa forma convencional de exercício médico. A observação de que o uso de MCA seja tão prevalente entre os nossos pacientes, sem que isto seja discutido seriamente com a equipe de saúde, é pelo menos um sintoma de algumas de nossas lacunas na relação médico-paciente.
Os médicos muitas vezes são arrogantes nos assuntos que dizem respeito à vida. Certa vez, uma de nossas pacientes com câncer de mama comentou durante a consulta: "Vocês, oncologistas, pensam que a ciência explica tudo. Isto funciona bem até que vocês diagnosticam o seu próprio câncer e ficam iguais a nós, pacientes. Então, começam a buscar formas alternativas de reconquistar a fé nos milagres da vida, exatamente como nós, pacientes, costumamos fazer". A nossa paciente pode ter a sua dose de razão. O certo é que o tema MCA deveria receber mais atenção e um olhar menos arrogante da comunidade médica.
Fonte:Revista da Associação Médica Brasileira(2008).
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