O Dr. Tufi Dippe Júnior, cardiologista e especialista em hipertensão arterial pela SBH (Sociedade Brasileira de Hipertensão Arterial), fala sobre essa doença que afeta quase um terço dos adultos em nosso país.
Portal do coração (PC):
Como a hipertensão arterial pode ser conceituada?
Hipertensão arterial é condição clínica multifatorial
caracterizada por elevação persistente dos níveis pressóricos
≥ 140 e/ou 90 mmHg (a diretriz norte-americana de 2017 adota valores ≥ 130 e/ou 80 mmHg).
Frequentemente se associa a distúrbios metabólicos, alterações funcionais e/ou estruturais de órgãos-alvo (coração, vasos, rins e cérebro), sendo agravada pela presença de outros
fatores de risco, como anormalidades do colesterol e suas frações, obesidade abdominal, intolerância à glicose e diabete melito.
PC:
Qual a importância da hipertensão arterial no contexto da saúde pública brasileira?
Dr. Tufi:
A hipertensão arterial no meio científico é conhecida como a “matadora silenciosa”, exatamente pelo grande contingente de pacientes que desconhecem a presença da doença.
A hipertensão arterial é o principal desafio da saúde pública brasileira. Para se ter uma ideia do tamanho do problema, a hipertensão arterial explica 25% dos casos de diálise por insuficiência renal crônica terminal, 80% dos acidentes vasculares cerebrais (derrame cerebral ) e 60% dos casos de infarto do miocárdio (ataque cardíaco). Essas doenças são a principal causa de morte em nosso país.
As complicações, quando não levam à morte, prejudicam a qualidade de vida do paciente e oneram o Estado. Dados do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) demonstram que 40% das aposentadorias precoces decorrem de derrames cerebrais e infartos do miocárdio.
Dados norte-americanos de 2015 revelaram que a hipertensão arterial estava presente em 69% dos pacientes com primeiro
episódio de infarto do miocárdio, 77% com acidente vascular cerebral e 75% com insuficiência cardíaca.
PC:
Existem sintomas que indiquem a presença da doença?
Dr. Tufi:
A hipertensão arterial é uma doença crônica e de natureza assintomática. Não existem sintomas confiáveis indicativos da sua presença.
A hipertensão arterial costuma aparecer após a terceira década nos homens e, após os 50 anos nas mulheres. Histórico familiar da doença, excesso de peso, diabete melito, sedentarismo, estresse psicossocial, baixo nível sócio-econômico, idade avançada e ingestão excessiva de álcool, são alguns dos fatores de risco para o aparecimento da doença.
PC:
Existem novidades em relação ao seu diagnóstico?
Dr. Tufi:
No ano de 2017 tivemos a publicação da última diretriz norte-americana de hipertensão arterial. Este documento reforça que, na maioria dos casos, para que um diagnóstico adequado seja feito, será necessária a utilização de algum método que analise a pressão arterial fora do ambiente médico. A monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) e a monitorização residencial da pressão arterial (MRPA) são os exames utilizados com essa finalidade.
A explicação deste fato reside nos conceitos da hipertensão do avental branco (presença de hipertensão arterial apenas no ambiente médico) e da normotensão do avental branco (hipertensão arterial fora da ambiente médico, mas com níveis de pressão arterial ainda dentro da normalidade durante uma consulta). De fato, basear-se apenas em poucas medidas da pressão arterial realizadas no consultório poderá acarretar erros diagnósticos .
PC:
No paciente hipertenso qual das mudanças nos hábitos de vida acarreta resultados mais expressivos?
Dr. Tufi:
O hipertenso deverá ter uma alimentação adequada, praticar regularmente exercícios físicos, perder peso, ingerir álcool moderadamente e parar de fumar. Todas estas medidas são importantes, e devem ser implementadas em conjunto para se obter melhores resultados.
Isoladamente, perder peso é a medida de maior impacto. Podemos observar uma diminuição de 20 até 30% da pressão arterial para cada 5% de perda de peso (4 kg em alguém que pese 80 kg, por exemplo).
PC:
Você falou em uma alimentação adequada. Quais são os cuidados que um hipertenso deve ter com a sua alimentação?
Dr. Tufi:
A dieta do hipertenso deverá ser pobre em sal e rica em potássio , magnésio e cálcio . A dieta pobre em sal, ou seja, restringir o consumo diário de sódio para 2,0 gramas (5 gramas de
cloreto de sódio). Para tal, evite pães industrializados, conservas, frios, enlatados, embutidos, molhos prontos, sopas de pacote, queijos amarelos, salgadinhos, etc.). O consumo de vinagre, limão, azeite de oliva, pimenta e ervas está permitido, pois estes alimentos não influenciam na pressão arterial. Uma dieta hipossódica pode reduzir a pressão arterial sistólica em 2 a 7 mmHg.
Recomenda-se a adoção de uma dieta rica potássio e magnésio, e que poderá ser obtida através de uma ingestão abundante de feijões, ervilhas, vegetais verde escuros, banana, melão, cenoura, beterraba, frutas secas, tomates, batata inglesa e laranja. O cálcio da dieta poderá ser obtido através de derivados do leite com baixo teor de gorduras , como o leite e o iogurte desnatados e os queijos brancos.
Uma dieta, chamada de DASH, composta de frutas, verduras, fibras, alimentos integrais, leite desnatado, pobre em colesterol e gorduras saturadas, foi testada e demonstrou ser capaz de reduzir a pressão arterial sistólica e diastólica em 7 e 4 mmHg, respectivamente.
PC:
O que é a síndrome metabólica? qual a sua relação com a hipertensão arrterial?
Dr. Tufi:
A síndrome metabólica é um transtorno complexo, caracterizado por um agrupamento de fatores de risco cardiovascular, relacionados com resistência a ação da insulina (hormônio quem permite a entrada do açúcar na célula) e obesidade central (acúmulo de gordura na parte superior do corpo e no interior da cavidade abdominal).
É importante assinalar a associação da síndrome metabólica com doença cardiovascular, aumentando o risco de morte em cerca de duas vezes . As sociedades médicas sugerem alguns métodos para detecção dos indivíduos portadores de síndrome metabólica. A elevação da pressão arterial é um dos critérios para o diagnóstico da síndrome metabólica. Para o diagnóstico da síndrome metabólica, os indivíduos portadores de três ou mais dos seguintes critérios devem ser considerados como portadores de síndrome metabólica:
– Obesidade abdominal (visceral), medida ao nível médio do abdômen: cintura > 94 cm em homens e > 80 cm em mulheres.
– Hipertrigliceridemia: > 150 mg/dl.
– HDL colesterol: < 40 mg/dl em homens e < 50 mg/dl em mulheres.
– Pressão arterial: > 130/85 mmHg.
– Glicemia de jejum: > 99 mg/dl.
PC:
Uma vez que tenha sido feito o diagnóstico da doença, todos os hipertensos deverão iniciar uma medicação anti-hipertensiva?
Dr. Tufi:
Não. A decisão do início imediato de uma medicação anti-hipertensiva baseia-se no perfil de risco do paciente e o nível inicial da pressão arterial. Este perfil de risco é estimado pela presença dos fatores de risco cardiovasculares, nível da pressão arterial e presença de diabete melito ou lesões de orgãos-alvo da hipertensão, como o cérebro, coração, vasos e os rins.
Pacientes de baixo risco, ou seja, hipertensão arterial leve e sem outros fatores de risco, podem ser tratados inicialmente por seis meses apenas com mudanças nos hábitos de vida.
8-PC:
Estão surgindo novos tratamentos para a hipertensão arterial?
Dr. Tufi:
Atualmente dispomos de um grande número de medicamentos que pertencem a vários grupos específicos. Em geral, todos os medicamentos são úteis para o tratamento da doença, e a maioria deles acaba sendo bem tolerada pelos pacientes. Devemos lembrar que a maioria dos hipertensos (cerca de 70%) necessitará da associações de dois ou mais medicamentos para um controle efetivo de sua pressão arterial.
Atualmente dispomos de um remédio que contém 3 anti-hipertensivos em um só comprimido (Valsartana, Hidroclorotiazida e Anlodipino).
Em casos de hipertensão arterial resistente (descontrole da pressão arterial apesar do uso de 3 ou mais medicamentos em doses adequadas, sendo um deles um diurético) estão sendo avaliados dois novos tratamentos: través de cateter (desnervação renal) e o implante de um dispositivo que estimula as artérias carótidas do pescoço, causando uma redução da pressão arterial.
9-PC:
A hipertensão arterial pode ser evitada ?
Dr. Tufi:
Sim. A hipertensão arterial é uma doença multifatorial, ou seja, determinada pela ação de vários fatores que atuam conjuntamente. Um histórico familiar da doença, excesso de peso, diabete melito, sedentarismo, estresse psicossocial, baixo nível sócio-econômico e ingestão excessiva de sal e álcool são fatores determinantes para o seu aparecimento.
Atuar nestes fatores de risco ajuda muito a prevenir a hipertensão arterial. Atualmente enfrentamos uma epidemia mundial de obesidade, inclusive no Brasil. A hipertensão arterial apresenta uma estreita relação com a obesidade, principalmente a central (acima da cintura). Perder peso é uma ação preventiva fundamental.
Autor: Dr. Tufi Dippe Jr – Cardiologista de Curitiba – CRM/PR 13700.
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