O nosso coração possui quatro câmaras: duas superiores e menores (átrios), e duas inferiores e maiores (ventrículos). Cada ventrículo possui uma válvula de entrada e outra de saída, totalizando quatro, que normalmente conduzem o sangue em apenas um único sentido.
O sangue pobre em oxigênio flui através da válvula tricúspide do átrio direito para o ventrículo direito, e da válvula pulmonar do ventrículo direito para as artérias pulmonares (circulação pulmonar), para ser oxigenado.
O sangue oxigenado no átrio esquerdo passa pela válvula mitral até o ventrículo esquerdo e, por último, sai do ventrículo esquerdo em direção à artéria aorta através da válvula aórtica (circulação sistêmica).
Quais as doenças que podem surgir nas válvulas cardíacas?
As válvulas cardíacas doentes podem permitir um vazamento anormal do sangue (insuficiência valvular) ou dificultar a passagem normal do sangue por não apresentarem uma abertura adequada (estenose valvular).
Estas anormalidades das válvulas (valvulopatias) podem apresentar graus variados de gravidade (leve, moderada ou severa), interferindo na capacidade de bombeamento do sangue pelo coração.
Uma válvula pode eventualmente apresentar os dois tipos de anormalidades de uma forma simultânea (insuficiência mitral leve associada a uma estenose mitral severa, por exemplo), o que chamamos de dupla lesão valvular.
Estenose mitral
A estenose mitral é o estreitamento da abertura desta válvula que aumenta a resistência ao fluxo sanguíneo do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo.
-Causas:
Quase sempre estenose mitral é resultante da moléstia ou febre reumática (90%), afecção que atualmente é rara na América do norte e na Europa ocidental.
No resto do mundo a moléstia reumática é comum, levando ao quadro de estenose mitral em adultos, adolescentes e mesmo em crianças. Nessa situação os folhetos da válvula mitral tornam-se parcialmente fundidos.
A estenose mitral também poderá ser congênita ou degenerativa (calcificação da válvula com a idade). Doenças reumatológicas (lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide), doença de Fabry e radioterapia também são causas incomuns de estenose mitral.
-Sinais e sintomas:
Quando estenose mitral é grave (área da válvula menor que 1 cm²), a pressão do átrio esquerdo e das veias pulmonares aumenta, acarretando insuficiência cardíaca com acúmulo de líquido nos pulmões (edema pulmonar).
Se uma mulher com estenose mitral grave engravidar pode ocorrer uma instalação rápida da insuficiência cardíaca. O indivíduo com insuficiência cardíaca apresenta cansaço fácil e dificuldade respiratória (dispneia). Inicialmente ele pode apresentar dificuldade respiratória somente durante a atividade física. Posteriormente os sintomas podem ocorrer mesmo durante o repouso. Alguns indivíduos respiram confortavelmente somente se ficarem recostados sobre travesseiros ou sentados.
Um rubor cor de ameixa nas regiões das bochechas é sugestiva de estenose mitral. A pressão elevada das veias pulmonares pode acarretar a ruptura de uma veia, acarretando sangramento no interior dos pulmões, que se manifestará por tosse com sangue (hemoptise). O aumento do átrio esquerdo pode levar à fibrilação atrial, um batimento cardíaco irregular e rápido. Essa arritmia pode levar à formação de coágulos dentro do coração, os quais podem se deslocar até o cérebro, causando um derrame cerebral (acidente vascular cerebral cardioembólico).
-Sinais e sintomas
Através de um estetoscópio, o médico ausculta um sopro cardíaco característico quando o sangue proveniente do átrio esquerdo passa através da válvula estreitada. Ao contrário de uma válvula normal, cuja abertura é silenciosa, a válvula na estenose mitral produz um estalido ao se abrir para permitir a entrada do sangue para o interior do ventrículo esquerdo. A presença de fibrilação atrial é facilmente percebida através da ausculta de um ritmo cardíaco irregular.
-Diagnóstico:
Além da presença dos sintomas, a estenose mitral é suspeita através do eletrocardiograma e radiografia do tórax, sendo confirmada pelo ecocardiograma.
Este exame faz o diagnóstico, estima a gravidade da doença, e ainda pode calcular o escore ecocardiográfico de Wilkins. Esse escore varia de 4 até 16 pontos, de acordo com o acometimento do aparelho subvalvar, calcificação dos folhetos, mobilidade dos folhetos e calcificação valvar. Cada um desses 4 ítens pontua de 1 a 4 pontos.
O ecocardiograma transesofágico permite avaliar de uma forma mais precisa o estado da válvula mitral, além de ainda poder identificar a presença de coágulos dentro do átrio esquerdo.
-Prevenção:
A estenose mitral pode ser evitada com a prevenção da moléstia reumática, uma doença da infância que pode ocorrer após uma infecção estreptocócica da garganta, como a amigdalite.
-Tratamento:
No tratamento da estenose mitral poderá ser necessário o uso de medicamentos que podem reduzir a frequência cardíaca e ajudar no controle da fibrilação atrial. Os diuréticos, através da redução do volume sanguíneo circulante, podem diminuir a pressão arterial nos pulmões, diminuindo o edema pulmonar e a falta de ar. Os anticoagulantes, como a varfarina, são indicados para evitar a formação de coágulos nos casos de estenose mitral associada à fibrilação atrial.
Se o tratamento medicamentoso não produzir redução dos sintomas de maneira satisfatória, pode ser necessária alguma técnica que aborde a válvula mitral estreitada.
A abertura da válvula pode simplesmente ser aumentada através de um procedimento denominado valvuloplastia por cateter-balão. Nesse procedimento um cateter que possui um balão na sua extremidade é introduzido através de uma veia, e é dirigido ao coração. Esse é método de escolha nos casos de estenose mitral de causa reumática, e está indicado em pacientes com sintomas classe funcional II a IV (falta de ar aos pequenos esforços ou em repouso) e/ou fatores complicadores (hipertensão pulmonar e fibrilação atrial), desde que o escore ecocardiográfico seja menor ou igual a 8 (aparelho subvalvar e calcificação menor ou igual a 2). Em gestantes ou pacientes com alto risco cirúrgico considerar se o escore ecocardiográfico for igual a 9 ou 10 (aparelho subvalvar e calcificação menor ou igual a 2).
Opcionalmente, o paciente é submetido a uma cirurgia de separação dos folhetos fundidos (comissurotomia). Se a válvula apresentar uma lesão importante, ela poderá ser substituída cirurgicamente por uma válvula mecânica ou biológica.
-Prevenção da endocardite infecciosa:
Qualquer pessoa que tenha uma válvula artificial em seu coração ou que tenha tido um episódio prévio de endocardite infecciosa deverá tomar antibióticos antes de ser submetida a um tratamento odontológico para evitar a ocorrência de endocardite infecciosa.
Autor: Dr. Tufi Dippe Jr – Cardiologista de Curitiba – CRM/PR 13700.
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