O médico, que dedica a vida a cuidar do maior patrimônio humano, paradoxalmente, destina pouco espaço para cuidar da própria saúde. No tabagismo, essa situação não foge à regra.Embora a maioria dos médicos conheça a eficácia das técnicas de cessação, o lugar comum é "sabemos que acontece a dependência nos colegas, mas não sabemos como abordar de forma efetiva".
No Brasil, ainda existe uma porcentagem considerável de tabagismo entre médicos. Para estas diretrizes foi construído um painel com doze pneumologistas com experiência na abordagem do médico fumante. Eles assistiram, em média, dez colegas em um período de oito anos. As informações revelaram que os médicos se tornaram dependentes ainda adolescentes, são pouco sensíveis a mudar o comportamento e vivem em conflito por conhecerem os efeitos nocivos do tabaco.
O tabagismo é visto pelos médicos fumantes como um "hábito" que, de alguma forma, podem controlar ou deixar em algum momento. Para os médicos não-fumantes, ao contrário, é uma dependência que precisa ser tratada. A maioria dos médicos fumantes (83%) afirma conhecer "de fato" os riscos. Os motivos que os levam a fumar são idênticos aos da população em geral, acrescidos do estresse. A dependência, as compensações para enfrentar o estresse e os traços da personalidade são fatores que pesam para continuarem fumando.
Os médicos fumantes não costumam procurar apoio profissional por várias razões: receio de se expor, medo do fracasso, crença de que fumar é um hábito, prepotência, relaxamento com os cuidados à saúde, dificuldade de aceitar a condição de dependência, etc…
As especialidades com maior dificuldade para cessação foram cirurgia, psiquiatria, cardiologia e anestesia. Segundo o painel de especialistas, as principais barreiras ao sucesso do tratamento foram: pouca aderência (frequência irregular, não seguimento do protocolo), dificuldade para mudar o estilo de vida, onipotência e auto-suficiência.
Quando procuram ajuda, fazem-no de modo informal e/ou casual. Os motivos para buscarem tratamento não diferem dos observados nos fumantes em geral, exceto pela cobrança por se sentirem modelos de comportamento, por terem vivido uma situação limite (exemplo: infarto do miocárdio), por medo de desenvolverem alguma doença e pela preocupação com a qualidade de vida.
A abordagem deve ser igual à dos demais fumantes-o tabagismo é uma dependência e, o apoio profissional é fundamental na cessação, mantendo contato por maior período. Deve-se atentar para o momento de vida-tensões, medos e nível de ansiedade. Como grande parte das situações estressoras do médico fumante é vivida também pelo seu médico assistente, este é um campo a ser explorado no aconselhamento comportamental.
A automedicação e o manejo inadequado dos medicamentos são obstáculos no tratamento, muitas vezes já iniciado pelo médico fumante quando resolve procurar ajuda. Os médicos fumantes, em geral, são refratários à sensibilização, salvo quando estão motivados (procura espontânea). Todavia, tentar convencê-los quando não querem parar tem se revelado uma tarefa muito difícil.
Para romper a ambivalência do médico fumante , alguns aliados são a pressão social e familiar, o ambiente de trabalho livre de tabaco e o nível de consciência do médico fumante de que é modelo de comportamento. As estratégias motivacionais mais eficazes na abordagem do médico fumante são aquelas que exploram as mudanças comportamentais com foco na qualidade de vida, nos benefícios da cessação e na valorização da saúde do médico fumante enquanto "cuidador"- responsável pela saúde de seus pacientes.
Fonte:Diretrizes para Cessação do Tabagismo(2008).
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